A Inteligência Artificial (IA) é um dos assuntos mais comentados e discutidos atualmente. Já estamos tendo acesso a programas de IA para conteúdos escritos, imagens, áudios, vídeos, etc. No último dia 31 de maio, a plataforma de streaming Globoplay lançou o documentário “Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447” que gerou um grande alvoroço devido a um diferencial inovador: a dublagem por Inteligência Artificial.
Logo nos primeiros segundos do documentário, somos informados que os entrevistados não brasileiros foram dublados por IA, enquanto aqueles que não permitiram a dublagem foram legendados. Aqui, não vamos analisar o documentário quanto à sua direção, roteiro, montagem ou outros critérios técnicos. Nosso foco será a novidade da dublagem por IA.
Anteriormente, discutimos em outro conteúdo sobre a incorporação da inteligência artificial na edição de vídeos, onde levantamos questões similares como “era algo necessário?”, “Foi uma ação válida?” e “O quanto vale ser inovador?”.
O Documentário e sua Dublagem por Inteligência Artificial
O documentário “Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447” relata a história do desaparecimento do avião da Air France, que saiu do Rio de Janeiro com destino à Paris em junho de 2009. Esse evento chocou os dois países e mobilizou intensas buscas pelo avião, destroços, tripulantes e as caixas-pretas. Mesmo após anos de investigações, as respostas permanecem inconclusivas até hoje.
Logo no início de cada episódio, uma mensagem informa: “A versão em português das entrevistas concedidas em língua estrangeira para este documentário foi feita a partir da voz dos próprios entrevistados, com o uso de inteligência artificial, respeitando-se todos os direitos e leis aplicáveis. O conteúdo das dublagens é fiel às entrevistas originais. Os entrevistados que não aceitaram a dublagem foram legendados.”
A primeira entrevistada estrangeira a conhecermos é Ophélie Toulliou. Embora a dublagem não seja ruim, a diferença é perceptível. A essência de uma boa dublagem reside na entonação e interpretação. Falar as palavras corretamente é uma coisa; falar como um humano, transmitindo emoções, personalidade, sotaques, é outra. Esses são detalhes que uma IA não consegue reproduzir.
Do ponto de vista da Globo, a inovação de dublar pessoas com suas próprias vozes, utilizando Inteligência Artificial, é compreensível e admirável. No entanto, ao assistir ao documentário, começamos a nos questionar sobre o valor real dessa tecnologia. As reconstituições feitas a partir das gravações da caixa-preta são as mais “artificiais”. É difícil associar essas vozes a pessoas reais; parece mais que estamos ouvindo personagens de um jogo digital.
William Langwiesche foi um dos entrevistados que não autorizou a dublagem com IA, sendo suas falas legendadas. Isso levanta um ponto importante: a transição de um documentário todo em português para trechos legendados quebra a sequência e compromete a acessibilidade. Assim, uma inovação acaba indo contra outra, a luta recente pela inclusão.
Em resumo, a dublagem por IA não é totalmente ruim, mas levanta questões importantes. Ela substituiu empregos de dubladores humanos; foi uma economia necessária? E, sobretudo, foi uma escolha válida?
Repercussão na mídia sobre a Inteligência Artificial
A segunda justificativa para a produção optar pela dublagem por Inteligência Artificial foi o orçamento. Utilizar IA realmente reduz significativamente os custos de equipe e produção. No entanto, essa decisão teve consequências. Segundo o Movimento Dublagem Viva, que surgiu no início deste ano para defender o trabalho dos dubladores, cerca de 50 profissionais perderam a oportunidade de trabalhar devido a essa escolha. Em seu pronunciamento, eles destacaram que “a língua portuguesa em sua variante brasileira é fruto do nosso país. Ao se utilizar inteligência artificial generativa para dublar uma obra audiovisual, mesmo usando as vozes originais como base, temos um produto de baixa qualidade, com a melodia e o ritmo de outro idioma”.
Grandes profissionais da indústria também expressaram suas opiniões sobre o uso de Inteligência Artificial. Muitos concordam que, apesar de facilitar processos, a IA não alcança o mesmo nível de qualidade de algo criado por humanos. Chris Miller, produtor das animações do “Aranhaverso”, recentemente afirmou que o próximo filme será produzido totalmente por artistas visuais humanos. Em suas redes sociais, ele declarou: “Não há IA generativa em ‘Além do Aranhaverso’ e nunca haverá. Um dos principais objetivos dos filmes é criar novos estilos visuais que nunca foram vistos em um filme de estúdio em CG [computação gráfica], e não roubar a média genérica plagiada do trabalho de outros artistas”. Vale lembrar que o primeiro filme da saga ganhou um Oscar de Melhor Animação.
Em resumo, como mencionamos anteriormente, uma máquina nunca superará a inteligência humana. Uma máquina não consegue criar, apenas copiar. Essa discussão reforça a importância de valorizar o trabalho humano e a criatividade que apenas pessoas podem oferecer.
A verdade é que a decisão da Globoplay foi inovadora e pioneira, mas inflamou um debate complicado para a empresa. Ao optar pela dublagem por Inteligência Artificial, a Globoplay ignorou tanto os apelos da categoria pela valorização da profissão de dublador quanto o próprio debate sobre os limites dessa substituição da mão de obra humana. Isso levantou questões éticas e profissionais que vão além da simples economia de custos.
Essa situação é apenas mais uma das milhares de discussões que surgem diariamente sobre o medo de que a IA vai substituir os empregos de humanos. No entanto, a IA não possui a capacidade de criação e interpretação que um ser humano tem. Além disso, a dependência excessiva da IA pode levar a uma diminuição da criatividade humana, correndo o risco de retrocedermos em vez de avançarmos.
A tecnologia deveria ser uma aliada da evolução humana, impulsionando-a em vez de substituí-la. É fundamental encontrar um equilíbrio onde a inovação tecnológica e a criatividade humana possam coexistir e se complementar. Só assim conseguiremos aproveitar ao máximo o potencial de ambos.